O Dia Em Que Eu Decidi Roubar Pela Primeira Vez
Eu devia ter uns 17-18 anos.
Ou seja: eu era mais um jovem estúpido, como todo mundo nessa idade.
Mesmo assim, roubar ou dar calote nunca foram práticas aceitáveis na minha cabeça.
Acontece que eu fui criado por pais profundamente religiosos. Ou seja: os bons princípios, o respeito ao próximo, a busca pela justiça… todos esses preceitos me foram ensinados desde criancinha como princípios invioláveis.
Só de pensar em roubar eu já sentia o cheiro ácido de enxofre violar minhas narinas, como se eu tivesse sido enviado diretamente para o inferno ainda em vida.
Exatamente por isso, por mais que eu já tivesse flertado com a ideia antes, nunca tinha chegado às vias de fato.
Até que…
Eu estava no segundo ano do ensino médio, provavelmente.
Naquela época, minhas aulas começavam às 7h30 da manhã e eu só chegava em casa lá para às 18h30 por conta das diversas atividades extra-classe (completamente inúteis, diga-se de passagem) no período da tarde.
No horário do almoço, eu e meus amigos costumávamos almoçar sempre no mesmo restaurante self-service que ficava do lado da escola, porque dava tempo de comer sem pressa e ainda marcar um tempo de ócio antes que começassem as atividades da tarde.
By the way… acabei de pesquisar aqui e encontrei uma foto do restaurante no Google. Se você for de Brasília, aparentemente ainda pode encontrar o velho restaurante firme e forte na 716 norte.
Um belo dia, no Bom Tempero...
Não me lembro mais como começou, quem deu a ideia… só sei que a semente do mal foi lançada: “bora sair sem pagar?”
Silêncio.
Sobrancelhas levantadas em sinal de surpresa.
Porém, nenhum protesto.
Em poucos segundos ficou claro o que todo mundo queria.
Mas ninguém ousava mexer um músculo.
Todo mundo se olhou… esperando para ver quem seria o boi de piranha…
Para a nossa surpresa, um de nós (agora não lembro mais quem foi, mas gostaria de lembrar kkk) guardou a comanda na mochila, para apagar as evidências do crime… levantou como quem não quer nada… colocou a mochila nas costas e foi embora… SEM PAGAR!
Não sei se você consegue se lembrar como é ter 17-18 anos, mas deixa eu te refrescar a memória…
O que se passou na nossa cabeça naquele exato momento, foi mais ou menos isso: “PQP! VAMO ALMOÇAR DE GRAÇA PARA O RESTO DO ENSINO MÉDIO!”
Em seguida…
Olhamos ao nosso redor, para ver se algum funcionário do restaurante, ou até mesmo outros clientes, notaram o calote fenomenal que nosso amigo acabara de aplicar…
Absolutamente ninguém estava prestando atenção na gente!!!!!
A sensação era de que poderíamos roubar o restaurante inteiro e ninguém iria notar.
Nos entreolhamos de novo, mas dessa vez era um olhar de êxtase.
Um a um... com a maior naturalidade do mundo… escondemos nossas comandas usadas na mochila... levantamos... e fomos embora.
Gostaria de dizer que essa foi a primeira e a última vez que a gente cometeu esse delito, mas não foi kkkkk.
Obviamente, hoje em dia eu não faço mais esse tipo de coisa... e prefiro acreditar que meus ex-companheiros de crime também tenham parado com a contravenção.
Hoje eu sei que compensa muito mais promover uma cultura de generosidade e relações ganha-ganha aonde quer que você esteja, mesmo que isso não seja o modus operandi natural da sua personalidade mesquinha.
Mas por que eu tô fazendo toda essa confissão pública?
Pois bem…
Hoje de manhã, enquanto preparava meu café com gorduras extraídas do coco e triglicerídeos de cadeia média...
E pensava sobre que diachos iria escrever para começar este Substack/Newsletter em grande estilo…
Lembrei dessa história.
Lembrei do arroubo de liberdade/oportunidade que eu e meus amigos estúpidos sentimos quando olhamos ao redor, no restaurante, e percebemos que poderíamos roubar à vontade porque ninguém estava prestando atenção na gente...
E me dei conta de que a maioria das pessoas nunca pararam para entender o quanto é precioso… uma dádiva... uma benção… uma verdadeira carta de alforria…
Não ter ninguém prestando atenção em você!!!!!
Sim. Eu quis dizer exatamente o que acabei de dizer.
Eu realmente acho que em fases específicas da vida de todo ser humano...
Ser ignorado e esquecido pelos seus pares é uma verdadeira benção que deve ser recebida com alegria e gratidão.
Deixa eu explicar...
Basicamente, quando você se sente ignorado/negligenciado por alguém ou algum grupo de pessoas, só existem duas atitudes possíveis que você pode tomar:
Fazer de tudo para chamar a atenção, se colocar em evidência e (re)conquistar o carinho das pessoas que te ignoram,
ou…
Continuar nas sombras.
̶(̶N̶ã̶o̶.̶ ̶C̶o̶b̶r̶a̶r̶ ̶a̶s̶ ̶p̶e̶s̶s̶o̶a̶s̶ ̶p̶o̶r̶ ̶m̶a̶i̶s̶ ̶a̶t̶e̶n̶ç̶ã̶o̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶f̶u̶n̶c̶i̶o̶n̶a̶ ̶e̶ ̶é̶ ̶a̶ ̶p̶i̶o̶r̶ ̶c̶o̶i̶s̶a̶ ̶q̶u̶e̶ ̶v̶o̶c̶ê̶ ̶p̶o̶d̶e̶ ̶f̶a̶z̶e̶r̶ ̶p̶a̶r̶a̶ ̶a̶ ̶m̶a̶n̶u̶t̶e̶n̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶u̶m̶a̶ ̶r̶e̶l̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶s̶a̶u̶d̶á̶v̶e̶l̶.̶)̶
A maioria das pessoas vai de alternativa 1, por motivos óbvios: como seres sociais, que precisam amar e ser amados, toda vez que sofremos rejeição ou sentimos que não estamos recebendo dos outros a atenção que gostaríamos de receber… a tendência é ficarmos tristes, ressentidos… e por fim, ainda mais carentes!
Fazer de tudo para chamar a atenção é a reação mais natural possível para acabar com a dor de ser ignorado.
E eu super entendo isso.
Durante muito tempo, era exatamente assim que eu me portava sempre que olhava ao redor e sentia que não estava recebendo das pessoas toda a atenção que gostaria de receber.
Maaaaaaaaasssss…
Na época eu ainda não entendia que a alternativa 2: continuar nas sombras…
Era simplesmente o álibi perfeito para que eu pudesse testar... correr atrás de todas as ideias malucas que eu tinha na cabeça, mas nunca havia dado uma chance de colocá-las em prática porque tinha muita gente prestando atenção em mim (ou pelo menos eu achava que tinha kkkk).
Olhando para trás, não tenho dúvida de que os períodos em que fui mais produtivo na minha vida e consegui conquistar mais coisas foram exatamente aqueles em que ninguém se importava comigo…
Ou melhor: aqueles em que eu achava que ninguém se importava comigo.
Se meu julgamento estava certo ou não, aí já é outra história.
O importante é que... só de achar que as pessoas não se importavam comigo e começar a agir sob essa premissa... já foi suficiente para que eu colhesse os divinos frutos de liberdade que só o mais completo ostracismo pode gerar.
A verdade é que ninguém se importar com você pode ser uma verdadeira benção!
…se você souber identificar as oportunidades embutidas nesse tipo de circunstância.
Eu tenho pra mim que as maiores e melhores oportunidades da sua vida te serão sempre servidas num prato de cristal, com a mesa já posta e talheres de ouro… exatamente nesses momentos em que ninguém estiver te olhando.
Porque é exatamente nesses momentos que você se permite ser guiado pela sua intuição.
São nesses momentos que você se permite tomar decisões sem dar a mínima para o que os outros vão pensar.
Você começa a ser você de verdade.
Quando eu finalmente entendi isso, passei de:
“Droga. Eu preciso fazer alguma coisa. Ninguém me nota.”
para…
“Oba! Eu posso fazer o que eu quiser. Ninguém me nota.”
Foi aí que a vida começou a engatar de verdade.
Mas não se engane: a partir do momento que você começar a seguir esse caminho...
Você vai sim perder muitos relacionamentos e magoar muita gente (a maioria das pessoas não vai lidar bem com o fato de você ter decidido jogar o jogo por regras diferentes das que elas escolheram para si).
Mas também vai conhecer muita gente nova e criar conexões que você nunca imaginou serem possíveis.
De qualquer maneira, sempre haverá ocasião para reatar laços perdidos… se esses laços forem verdadeiros.
Se você tiver coragem suficiente para seguir o seu caminho nas sombras, vai descobrir que a sua vida não é um reality show de confinamento com câmeras observando tudo que você faz 24hrs por dia... e que você precisa agradar a maioria para conseguir sair com um prêmio.
Mas se parece muito mais com um espetáculo de mágica em que todos ficam boquiabertos quando veem o coelho saindo da sua cartola…
Mas ninguém além de você enxerga de fato o verdadeiro truque… a verdadeira mágica… que só acontece debaixo dos panos… exatamente onde e quando ninguém está prestando atenção.
O meu ponto é: é muito mais fácil…
Começar aquele seu projeto sem fundamentação lógica alguma, mas que você jura que vai dar certo…
Tentar aquele job que parece ridículo para a maioria das pessoas, mas para você seria um sonho…
Botar em prática aquela sua ideia de negócio que você é doido para vingar...
Fazer aquele mochilão que você sempre quis, mas nunca teve coragem…
Apostar alto na sua intuição sem medo das consequências…
O que quer que seja que você tenha idealizado nessa sua cabecinha doente…
É muito mais fácil chegar lá quando a plateia não está olhando.
É aí que a mágica acontece.
(E se você não entendeu ainda qual é o ponto em se arriscar tentando todas essas coisas “malucas”… faça-me um favor: aperte Ctrl + W. )
Hoje eu posso dizer tranquilamente que tenho bem mais pessoas ao meu redor que genuinamente se preocupam comigo e se importam com o meu bem estar do que na época em que se deu toda essa epifania da minha parte.
E eu sou muito grato por todas elas. Sem dúvida.
Mas devo confessar:
Volta e meia… vez ou outra…
Eu secretamente ainda tenho saudade da liberdade que sentia quando eu achava que ninguém se importava e, na minha cabeça, era só eu e Deus nesse mundão brabo.
Portanto, da próxima vez que sentir que não está recebendo dos outros a atenção que gostaria de receber…
Ao invés de mendigar atenção ou choramingar pelos cantos…
Lembre-se deste artigo...
Lembre-se do dia em que eu decidi roubar pela primeira vez…
Dê uma última conferida de canto de olho...
E se de fato ninguém estiver prestando atenção...
Tome a p**** toda de assalto enquanto pode!
Por que esse é o tipo de oportunidade que só aparece em alguns raros momentos da vida e você certamente vai se arrepender de não aproveitá-las.
É sobre isso.
Ass.,
Josué “não roubem” Cardoso.
Pra tu largar de ser sem cultura…
➜ Uma música: Ponta de Areia - Milton Nascimento (letra de Fernando Brant).
Essa semana voltei a escutar o Bituca e falo com tranquilidade: monstro sagrado. “Ponta de Areia” é linda demais! Com certeza uma das minhas favoritas dele, e acho que os gringos concordam comigo — Wayne Shorter, Esperanza Spalding e Earth, Wind & Fire são alguns dos artistas internacionais de relevo que gravaram versões desse pitelzinho de canção… além da Elis, claro, que não é artista internacional, mas põe todos eles no bolso kkkkk.
➜ Um documentário: Com Amor, Marilyn.
Ótimo documentário sobre a vida da Marilyn Monroe que inclui atores famosas interpretando trechos reais do diário dela. Confesso que nunca tinha entendido direito por que essa mulher teve e tem até hoje tanta hype na cultura e imaginário popular… até assistir esse doc. Se você usa VPN, dá para assistir de graça no YouTube por esse link.
➜ Um livro: O apanhador no campo de centeio - J.D. Salinger.
Eu devia ter uns 18 anos quando li esse livro pela primeira vez e imediatamente coloquei ele no meu top 3 livros preferidos da vida. Uns dois anos atrás peguei de novo para reler alguns trechos e ver se o livro era realmente tão bom quanto eu achei da primeira vez ou se foi só um delírio adolescente… acabei achando mais genial ainda haha. Holden Caulfield é a personificação literária do libertário que não consegue se encaixar numa vida “normal”. As narrações dele sobre as pessoas e vida cotidiana são simplesmente sensacionais!